Ciniro Nametala - Escrito na manhã de 23 de Setembro de 2020 em Medeiros, Minas Gerais.
Quando fui chamado para fazer
parte de um time de futebol pela primeira vez eu fiquei muito assustado. Eu
adorava jogar bola com meus amigos no recreio, na rua e eu era bom ali. Já a
enormidade verde do campo de futebol fazia com que eu me sentisse uma formiga,
o gol pra mim era maior que uma casa. Como não tomar gol? Os coletes coloridos fazendo
parecer que todos estavam preparados para uma pomposa festa de gala. Eu não era
amigo da maioria dos meninos que jogavam no campo, alguns bem maiores do que eu.
Eu tinha que provar meu valor ali pela primeira vez na vida e, por isso, o banco
de reservas era o maior conforto que eu tinha naquele ambiente hostil, afinal,
eu não queria provar nada pra ninguém. Eu torcia para nunca ser chamado para
jogar no time que estava em campo. Lembro de um momento específico, desses
poucos que resolveram me testar, eu não estava nem um pouco afim e quando tocaram
a bola pra mim, eu pulei para que ela passasse por baixo. O técnico me tirou de
campo na mesma hora, muito felizmente.
Ao final do primeiro treino eu
fui embora aliviado e frustrado, eu já havia pegado a fama de ruim de bola e
nada mais que fizesse dali pra frente, mesmo que eu me tornasse um Cristiano
Ronaldo da vida, mudaria isso. A partir desse dia cheguei a ir em mais alguns treinos
pois meus pais, tios e amigos queriam muito, mas eu não me sentia à vontade. Lá,
o pior jogador de rua era melhor do que eu. E o melhor jogador de campo era
tratado como um Deus pela molecada. Eu passava meu tempo no treino só ali
sentado no banco, assistindo e refletindo, morrendo de medo de ser chamado.
Depois de uns anos o medo acabou
que foi embora, eu tinha lido em alguns lugares que isso aconteceria, só que eu
vivia num mundo de pouca perspectiva até então, eu não acreditava muito em nada,
não acredito até hoje e talvez seja por isso. Quando aconteceu, aproveitei e resolvi
tentar outra vez, não deu certo, aí tentei de novo e de novo, até que foi. O
tempo passou e hoje sou jogador profissional, intimido todo mundo que vem jogar
contra mim, alguns desistem antes só de conhecer a reputação, sou um craque às
avessas e meu passe vale ouro. Certamente ainda estou longe de ser um Cristiano
Ronaldo, que é um gênio do seu tempo, mas dou pro gasto no Brasil que é um país
de futebol médio. Eu não tive muitas opções no fim das contas e só pude e tive a
coragem de vestir a camisa quando o céu abriu, quando vi algumas nuvens. Deixando
a humildade pra lá, se for levar em consideração todas as “trupicadas” que eu
dei, penso que eu deva estar acima da média. Se as pedras não existissem quem
sabe um Cristiano Ronaldo eu seria. Eu não penso muito nisso, pedras existem
para todos e se elas não existissem também, o que seria desse hipotético mundo
feito só de Cristianos Ronaldos?
É bom chegar em casa e ver a sua
camisa de time dependurada no cabide do armário – é sua tribo, mas também é triste
demais saber que nesse time jogam poucas pessoas, afinal, muitas quebraram as
pernas “trupicando”, muitas ainda estão crescidas e sentadas no banco de
reservas do time oficial assistindo e refletindo, muitas outras depois que o
recreio acabou desistiram de jogar bola pra sempre. Algumas se tornaram
jogadores do time oficial, ou até mesmo técnicos de futebol, mas elas sabem que
não possuem muitas opções e só se entregaram. Os meninos titulares na maioria
das vezes não têm muita noção do peso que essa camisa tem, como é difícil vesti-la.
Acho que as categorias de base hoje vêm se aprimorando, apesar de que técnicos
ruins e torcidas organizadas existem aos montes para atrapalhar.
Parece-me que o mundo do esporte está mudando apesar dos pesares. Acompanho os gols no Fantástico todo domingo. São poucos gols, ainda se vê muito mais bolas fora ou na trave, no entanto, diferente do meu recente tempo antigo, já não é mais visto como coisa bonita por aí ficar comparando times. E é claro, esse é um texto sobre sexualidade e não sobre futebol.
Fonte da imagem: http://4.bp.blogspot.com/-7Zj3mSYlPM4/VhEwAkQFQ-I/AAAAAAAAEmQ/w0FRSDbuxvg/s320/campinho-de-terra-3.jpg |